Tchad T0/40
Aug 31, 2023
Addis Ababa, 5:52
Ao contrário dos outros dias, estou começando a escrever essa nota no começo do dia. Com a cabeça confusa em relação a fuso horário, estou sem sono agora, às 5:52 horário local na Etiópia. 13⁰C lá fora. Aqui dentro do quarto de hotel 24⁰C. Tomei uma garrafa de 600ml de água aqui do quarto agora à pouco, não sei se vai ser cobrado, mas estava com muita sede. Também não sei se vai ter café da manhã, mas vamos descobrir logo, acredito que não.
Li sobre reparo de hérnia inguinal sem tela e agora estava lendo o livro do William Silvestre, Desafio no Deserto. Lá ele coloca muitos trechos motivadores e lições da Bíblia, selecionados especialmente para a experiência dele, de um missionário no Sahel, que também está sendo a nossa.
Uma das coisas que tem me atacado é a síndrome do impostor. Será que eles estão esperando um super cirurgião e vão se decepcionar comigo? Será que vou estar à altura das expectativas dos pacientes? Uma coisa eu sei, minha cara de novo, e os cabelos grisalhos do meu pai vão fazer todos pensarem que ele é que é o cirugião. A verdade é que não sei fazer todos os procedimentos cirúrgicos de cabeça, e sei que a demanda deles vai envolver várias operações que só vi na residência. Estou fazendo a minha parte de estudar e estar atualizado. Também vou precisar de tempo pra planejar cada procedimento. Preciso entender que a expectativa do outro não depende de mim, e saber que vou dar o meu melhor independentemente do que eles esperam. "Querido Jesus, me dê sabedoria para lidar com a questão da expectativa e da ansiedade; me ajude e coloque pessoas no meu caminho que vão me apoiar e incentivar. Em nome de Jesus amém"
Addis Ababa, 9:27
Agora estamos no portão A4 esperando o embarque, comendo pistache. Não precisamos passar por RX ao sair do hotel, saímos direto pra área de embarque. A água bebida no quarto não foi cobrada. O único susto que tivemos no hotel foi umas 6h da manhã alguém bateu à porta. Era o funcionário dizendo que está na hora de acordar. Disse que ligou mas que não atendemos por isso ele veio pessoalmente. Pagamos pra ficar até as 8h, então fiquei até um pouco supreso, mas sorri e agradeci o homem, fazendo sinal de agradecimento chinês. Aliás aqui a cultura chinesa é bem presente. Eles construiram o aeroportoa até.
Depois que o homem nos bateu à porta (já estávamos acordados) mesmo com o aviso de "não perturbe" ligado, a luz acendeu e apagou algumas vezes sozinha. E enquanfo eu tomava uma ducha quente, a água parou. Parecia que estavam "nos expulsando", mas pode ter sido só problema no banheiro.
Agora, aqui no portão estamos de volta, após um rapaz da segurança nos mandar ir pra outro portão longe (subimos 2 escadas sem ser rolante pra ir e voltar). Chegando no outro portão o rapaz estava lá e viu que a moça nos disse que não era, mas parece que fingiu que nunca tinha nos visto.
Enfim, no caminho pro portão certo trocamos alguns dólares em uma loja duty free. Comprados 1 pacote de pistache por 15 USD e uma garrafinha de água por 1 USD, aí pegamos troco pra 100.
12:36 Horário de Addis Ababa
Estou no avião em direção a NDjamena. O vôo atrasou em 1 hora pra decolar. Não consegui entender o motivo. Eu e papai sentamos nos assentos do meio e corredor em um avião com 3 fileiras de cada lado. Tentei papo com colega da janela, chinês, mas sem sucesso (entendi que o inglês dele era ruim, mas não estava entendendo o porquê dele não entender meu chinês - depois quando estávamos nos levantando para sair do avião, ele falou com outros chineses, e aí me veio à lembrança uma palavra; eu estava tentando falar "meu nome é Gabriel" 我的名字是 Gabriel. Mas falei "Minha coisa é Gabriel" 我的什么是 Gabriel. Ri por dentro. Pensei se valia à pena consertad mas achei melhor não).
Estou escrevendo no Whatsapp mas sem internet.
Na hora da refeição, vi que tinha tipos diferentes de suco, e 1 dizia "Tomato Juice". Ah não. Se eu pudesse ter voltado atrás. Resolvi arriscar algo diferente e pedi. Ela encheu o copo com um suco concentrado parecendo molho de tomate. Quando provo... "arghhh" a careta foi inevitável. Era extrato de tomate mesmo. Ainda tentei dar um gole ou dois, mas acabou sendo útil mesmo foi pro almoço de macarrão com queijo do papai (o meu eu já tinha comido).
Espero que o Laurent entenda o atraso no vôo. Tenho o número dele mas sem whatsapp, e sem chip local. Bora ver como vai ser.
18:53 horário de N'Djamena
Pousamos em N'Djamena, descemos pra um ônibus que se andou 100 metros foi muito. Ajudei uma senhora de aparência muçulmana a levar uma sacola bem pesada até o ônibus. Não falei, mas notei que havia muitos chineses no vôo de GRU pra Addis Ababa, e não vi nenhuma mulher com roupa tipica muçulmana, e nesse de Addis pra NDJ havia alguns chineses, alguns brancos com cara de americanos, mas a maioria pareciam pessoas de diferentes partes da África, e também havia mulheres com diferentes tipos de hijabs, desde alguns só cobrinho a cabeça até a burca preta dos pés à cabeça.
Chegamos à área de imigração e logo fomos preenchendo a fichinha de imigração. Enquanto estávamos na fila, consegui wifi do aeroporto e falei com Nadia, e avisar sobre o atraso do vôo. Na fila também conheci um homem (esqueci o nome dele), acredito que chadiano, que me ajudou a traduzir uma parte da ficha de imigração que não tinha entendido. Ele foi muito simpático e até me ajudou na hora da entrevista. Que Deus abençoe a vida desse homem. Na entrevista, meu pai foi separado, não sei como ele conseguiu conversar com o policial em Francês, mas o fato é que ele foi enviado pra uma salinha de polícia e eu também. La os policiais que só falavam Francês fizeram algumas perguntas que acho que respondi bem, mas faltava preencher alguns papeis, que o cara ia fazendo. Daqui a pouco chega um rapaz jovem, camisa e calça pretas, sem uniforme, mas todos os policiais mais jovens se levantaram num instante e prestaram continência quando ele entrou. Ele chegou perto de nós e falou algo em espanhol, tipo "buenos dias". Papai queria corrigi-lo e dizer que no Brasil é o português. Ele foi bem simpático, mas a papelada não acabava. Éramos os últimos, todos já tinham descido para a área de retirada de bagagens despachadas. De repende entrou uma moça/senhora falando em francês com os policiais, e acenando pra nós. Era a Remadjia, chadiana que ajuda os voluntários estrangeiros do AHI quando chegam ao Chade. Ela andava com um crachá na mão, e imaginei que ela era alguma funcionária do governo. Rapidinho nossos papéis se resolveram e pudemos descer. Lá embaixo, a retirada de bagagem mais bagunçada que já presenciei. Ainda bem que nossas malas estavam lá (além da mochila do papai, minha mala de mão também foi despachada no último embarque na Etiópia, bem na entrada do avião, porque já estava cheio). A bagunça que eu falei era por conta de uma fila enorme de pesssoas esperando passar num RX pra sair, mas várias outras furando e passando na frente. E nessa furação de fila nós entramos. Estávamos seguindo a Remadjia e eu falei pra papai: "não é possível que ela vai furar essa fila assim na cara dura". E era sim. O que me intrigou depois foi que o pessoal em vez de achar tuim dava era passagem pra gente. De alguma forma aquele crachá que ela carregava dava uma autoridade pra ela, será? Passamos no RX tão rápido que nossa bagagem e a dos outros foi se amontoando no final da esteira, tudo jogado pros lados no chão (é uma esteira no baixo). Era muita gente amontoada pra passar e pra pegar as malas. E não vi ninguém do outro lado olhando uma tela pra ver os itens. Na porta tinha 2 seguranças. Antes tinham nos avisado pra guardar bem os tickets de bagagem despachada porque eles iam pedir. Acabou que passamos rápido e talvez por conta do super crachá da nossa anfitriã, não nos pediram. Fora do aeroporto havia outro ponto policial na saída pra área de estacionamento, e nesse ponto a Remadjia devolveu o crachá pra um dos policiais. Fiquei sem entender e até agora não sei o que se passou ali. Depois escrevo quando descobrir.
Aí fomos em direção ao carro do Monsieur Laurent, um senhor alto, um pouco grisalho, com roupa típica árabe. O carro é um Toyota carro sedan mas não consegui identificar o modelo. Um carro bem antigo, rústico. Colocamos nossas bagagens atrás (mas dava pea pegar da frente) e sentamos nos banco que não tinham cinto de segurança. Nesse lugar algumas pessoas vinham querendo nos abordar pra oferecer carregar as malas, crianças pedindo dinheiro, oferecendo trocar dinheiro. Aí enquanto íamos nos ajeitando no carro a Remadjia falou, "vocês querem trocar quantos dólares?" Eu disse 100, mas era muito pouco segundo ela, aí fechamos em 400, e ela intermediou pro homem que estava nos abordando. Ele pagava 630 XAF por dólar (o que é melhor que a cotação no Google de hoje, 603). Só que nessa hora estávamos com os dólares espalhados em várias partes, alguns na mala, aí eu e papai fomos pegando e passando pra ela, e depois ela chegou a devolver algumas notas de 50 pra trocar por notas de 100, que ele valorizava mais. Só sei que no fim contamos juntos o dinheiro, e realmente estávamos com o equivalente a 400 USD, naquela cotação, em XAF. Só que papai ficou com uma pulga atrás da orelha com esse tanto de nota que ia e voltava, muito rápido. Eu confesso que também não consegui manter o controle de quantos dólares estávamos dando. Remadji estava contando em francês e negociando ao mesmo tempo. Só quando chegamos ao quarto de hotel fomos contar com quantos dólares estávamos, e vimos que havia 100 a menos. Bom, pode see que achemos ainda no meio da bagagem, mas é possível que tenha ido a mais pro rapaz, não sei. Talvez depois descubramos. Dali fomos comprar o chip da Airtel pra ter internet. Foi tudo bem. Quando descemos do carro pra atravessar a rua pra loja do chip, um homem passando nos viu e exclamou "Anassara" (pelo menos entendi isso, que significa pessoa de cor branca, em árabe eu acho; e que os missionários James Appel e William Silvestre relatam em seus livros como sendo exclamações comuns quando um branco passa). Dentro da loja, papai estava querendo jogar um lixo mas não achava aí ficava se distanciando pra procurar e eu sempre com medo dele estar sozinho e acontecer algo. Éramos os únicos brancos no meu campo de visão, e mesmo sem querer chamávamos a atenção. Saímos de lá e paramos numa feirinha com frutas, mas dissemos que queríamos comprar coisas não perecíveis para a viagem. Aí nos levaram até um supermercado local. Achei os preços muito altos. Tinha o macarrão Barilla (a 2000 XAF o pacote de 500g, cerca de 20 reais) que tem no Brasil a 12 reais. O pacote de arroz com 5kg era 8500 XAF (aprox. 85 reais, ou seja, 17 reais o kg). Acabou que não compramos o arroz (que deve ter no Béré a 1 USD/kg) e levamos 3kg de macarrão à metade do preço/g do Barilla. Papai escolheu uma lata grande de leite em pó. Comprei 2 pacotes de bolinhos pra viagem do dia seguinte. O total de nossa compra foi uns 17000 XAF. Remadjia comprou coisas pra ela e deu a entender que não sabia se teria dinheiro pra pagar e eu ofereci pagar pra ela. A compra dela foi cerca de 18000 XAF, e passamos tudo junto. Aceitaram cartão de crédito Visa (Remadjia disse que MasterCard não funciona aqui). Depois fomos à sede da igreja pra conversar com os pastores e eles irem atrás do nosso visto. Chegando lá, portão de ferro alto, muros altos e arame farpado em cima. Dentro havia a casa do pastor Evariste, presidente da missão, e no mesmo prédio, a sede administrativa da igreja. Só que nenhum pastor estava. Pastor Sali, que já vinha mantendo contato comigo, estava de folga no Camarões, e Pr Evariste não sei aonde, mas pela conversa de Remadji com o rapaz que cuidava, parece ter ido a Abeché, no leste. Bom, depois disso viemos pro guesthouse da missão dos coreanos, CCDM (Chad Community Development Mission), um local que nem está no mapa, e conta com o mesmo esquema de segurança da igreja adventista, vi até câmeras na entrada. Pagamos o taxi do Laurent. Ele disse que o total foi de 17.500 (175 reais), porque teve várias corridas etc, etc. Paguei 20.000 (só tínhamos notas inteiras de 10.000) e cadê o troco? Fica pro dia de São Nunca. Chegando aqui já paguei antecipadamente nossa estada porque vamos sair muito cedo amanhã. Nessa hora usei o máximo dp meu francês e o Google Tradudor pra falar com o rapaz do caixa. O quarto é confortável e não está quente. Paguei 2400 XAF pra usar o ar condicionado mas acho que nem vamos precisar. A diária pra cada um foi 10000 XAF (quase 100 reais). No pátio conheci um casal de missionários de longo prazo coreanos, que estavam com um bebê de 6 meses. Conversei e mostrei fotos de Evinha. Que simpáticos. Que Deus os abençoe em sua missão.
Os quartos dão pra uma área comum com cozinha, sala grande com pé direito alto e cozinha. Na geladeira, achei muito fofo colocarem bilhetinhos no Shoyu e no tahine dizendo que todos podiam pegar. Yarin ia amar ter contato com essas pessoas. Agora estou ouvindo um som de louvor com violão que talvez esteja vindo lá da sala, e acho que vou procurar alguma forma de interagir. Que Deus nos guie.
Saúde: boa. A afta na bochecha está diminuindo, fezes pastosas (tirei foto), sem diarreia. Alimentei-me bem.
Planos pra amanhã: Laurent deve nos buscar cedinho pra ir á rodoviária pegar o ônibus, um pouco antes das 5. Ali devemos encontrar Nádia e seguir umas 8 horas de estrada de chão até Kélo, e dali pegar 2h de moto até Béré. Tomara que cheguemos antes do pôr do sol .
Gastos:
Trocamos 400 USD para 252.000 XAF.
Balanço do dia:
"Entrada": 252.000
Saldo: 148.600
Saídas: 103.400
Detalhamento das saídas:
Taxista: 20.000
Taxa de visto: 30.000
Taxa de registro do visto: 10.000
SIM card + crédito: 21.000 (Airtel, comprado pacote 20 gigas)
Hotel: 22.400
Balanço fechado com sucesso.
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