segunda-feira, 15 de outubro de 2018

Saracá

Escrevi isso em 2012 pra fazer parte de um livro que acabou não sendo escrito, sobre a missão no Amazonas. As informações estão em tópicos porque como muitas coisas aconteceram ao mesmo tempo, achei melhor focar em cada fato separadamente.

SARACÁ – MINHAS IMPRESSÕES

No dia 25 de setembro de 2011, ajudei a organizar uma viagem médico-missionária para a comunidade de Saracá, no rio Negro, e, durante uma tempestade, o barco tombou à noite, e uma pessoa faleceu.
Ao se aproximar o dia 25 de setembro de 2012, cenas voltam à minha mente em flashes:
1. O casal Dr. Aníbal e Dafne em clima de lua de mel.
2. A alegria de Dr. Ricardo e equipe ao ver a nova geração (acadêmicos) levando a frente.
3. A atitude de Raimundo Daniel em ir nadando atrás do detergente em lugar de Diego.
4. A alegria da comunidade ao receber os voluntários.
5. A predição de Roger Alves. Sua perspicácia.
6. O tombamento do barco.
7. O braço inerte de Dr. Aníbal.
8. O cuidado de Diego Jhonathan por Dieyne. Sua prontidão.
9. As lágrimas de Diego Jhonathan.
10. A bravura de Roger Alves.
11. O relâmpago sobre a mão de Dr. Ricardo.
12. O desprendimento de Diego Jhonathan.
13. O mistério de Bradley Mills.
14. A mochila de Roger.
15. O anjo de Dona Francisca Afra.
16. A corda azul.
17. A fogueira e as roupas.
18. O helicóptero e a praia.
19. O navio da marinha. O almoço e os camarotes.
20. A primeira chuva em missão após o incidente.

Seguem abaixo com mais detalhes:
1. O sorriso constante nos rostos de Aníbal e Dafne não deixava dúvidas de que eles estavam empolgadíssimos com a missão; e num clima parecido com o de um casal que tenha se casado há poucas semanas.

2. Dr. Ricardo também não podia esconder a alegria de poder voltar ao Saracá; especialmente numa viagem de iniciativa dos jovens. Havia dez anos que não retornava lá, e demonstrava a alegria de rever amigos e especialmente a moça que tinha feito uma cirurgia cardíaca graças ao projeto.

3. Raimundo Daniel mostrou a união e companheirismo de colegas antigos. Foi nadando cerca de quinhentos metros atrás do frasco de detergente que Diego Jhonathan havia derrubado do barco.

4. A comunidade prontamente recebeu os voluntários com um “Feliz Sábado!”, e o sorriso de Dona Raimunda foi marcante durante todo o dia; a expressão de alegria também era vista nos rostos dos outros ribeirinhos.

5. Roger Alves advertiu, momentos antes: “Esse barco pode virar” Após começar a chover, disse que não iria dormir aquela noite. Sem dar importância, eu deitei-me tranquilamente para dormir, em meio ao barulho da chuva. Momentos mais tarde, com o acidente, ele estava em posição avantajada para
se salvar, e ainda apto para salvar outros. A partir daí, conheci as virtudes de precaução e perspicácia de Roger, que ficaram patentes a todos.

6. Por uns instantes, fiquei debaixo d’água, e totalmente desorientado. Um banho de água fria de cabeça para baixo. Felizmente, logo encontro ar. Tudo é escuridão, gritos e água. Meus pensamentos vão diretamente para as duas moças, Hildchen Litaiff e Joany Sales, que estavam no mesmo convés, e cujas mães haviam confiado à minha proteção naquela viagem. Grito seus nomes. Respondem. O ABCDE do ATLS vem com rapidez à minha mente: A de Aiways, ou seja, a prioridade no resgate são as pessoas que não estão respirando, nesse caso, as que estão ainda embaixo d’água. O barco apenas tombou de lado, de forma que as pessoas puderam se apoiar no barco com segurança. Após gritar os nomes das outras pessoas do mesmo convés, e notar que todas estavam bem, meus pensamentos se dirigiram aos passageiros do convés inferior. Passo por uma passagem na tela de mosquito (que Diego prontamente havia feito em socorro a sua amada Dieyne) e me dirijo diretamente à janela do camarote da proa. A água ocupava toda a cabine, e estava ao nível da janela. Rasgo a tela de mosquito e coloco meu braço para dentro da janela, tentando apalpar algo, enquanto tento lembrar quem eram os ocupantes daquela cabine, dos quais eu mal sabia os nomes.

7. Imediatamente, toco num braço inerte. A sensação de pelos me dá a pista de ser do Dr. Aníbal. Grito por ajuda. Olho ao redor. Em poucos segundos, aquele lado do barco, outrora vazio, havia se enchido de pessoas. Umas sendo salvas de dentro do barco naquele exato momento, outras vagueando com os sentidos entorpecidos pelo choque; e outras lutando para se manterem seguras. Chamo por Roger. Ocupado.

8. Olho para a frente e vejo, em meio à tempestade, a mais linda cena de amor e cuidado. No ponto mais alto do barco, enquanto muitos ainda estão procurando onde se segurar, vejo Dieyne com um colete salva-vidas, abraçada a Diego, também de colete, que a confortava. Chamo o Diego para me ajudar; ele vem, relutante, mas Dieyne o encoraja. Juntos, removemos o corpo imóvel de Aníbal de dentro da cabine. Sua cabeça estava presa pela moldura da janela; assim ajeitei com a mão para ela passar para fora da janela, de modo semelhante ao que os médicos fazem para facilitar a saída de um bebê do útero, no início da vida. De fato, Aníbal estava voltando para uma nova vida.

9. Rapidamente, tento sentir os pulsos radial e carotídeo de Aníbal, e vejo que encontra-se aparentemente num quadro de parada cardíaca. Então, Diego e Bradley (que aparece de repente) levam Aníbal até uma parte mais elevada e Diego inicia as manobras de reanimação cardiopulmonar. Diego é estudante de Medicina da Universidade do Estado do Amazonas, e, durante muitas vezes na
faculdade já havia ouvido sobre como fazer tais manobras, e já havia até treinado em bonecos, mas nunca havia feito em um paciente real, muito menos em situação tão estressante como esta. Bradley estava assustado demais para ajudar Diego com as respirações, de forma que Dr. Ricardo chegou para ajudar. Entre uma insuflação e outra, Dr. Ricardo levanta os braços e clama ao Senhor por auxílio, chorando e olhando para o céu. Diego, emocionado com a cena, continua as massagens com empenho, enquanto mistura suas lágrimas aos pingos de chuva que caem sobre o peito frio de Aníbal.

10. Logo que retiramos Aníbal, coloquei todo o meu braço no interior da cabine, tentando apalpar a a esposa de Aníbal. Como os dois deveriam estar dormindo, ela provavelmente estaria próximo dele no momento do acidente, e o corpo dela não deveria estar muito longe dali. Não pude sentir nada. Alguém precisava mergulhar no camarote para procurar a moça. Nesse momento, Roger Alves chega. Olho para ele. Temeroso por dentro, mas querendo inspirar confiança, digo: “Alguém precisa mergulhar no camarote para procurar a moça! Você vai?! Se você não for, eu vou!” Com essa frase,
tiro de mim a obrigação inicial de ir primeiro, ao mesmo tempo em que mexo com o brio masculino de Roger. Com a confiança que costuma assinalar suas afirmações, Roger diz “Eu vou!” Não foi a intimação que movera tal atitude. Momentos antes, já havia salvo da morte certa duas pessoas; e com a confiança renovada, encarava esse novo desafio. Segurando em minha mão, desceu ao interior da cabine, com a vida nas mãos de alguém que ele mal conhecia. Depois de algumas buscas frustradas, eu mesmo, que conhecia melhor o barco, desci e procurei pela moça. Lembro-me da sensação horripilante de estar sem respirar em um camarote fechado embaixo d’água sem enxergar 10 centímetros à sua frente, e tendo como única saída uma pequena janela de cerca de 40 por 70 centímetros, parcialmente obstruída por um grosso colchão de espuma que era pressionado contra a janela, pela força do empuxo. Não era possível vermos nada dentro do camarote; e nosso método de busca consistia em apalpar as paredes enquanto se movimentava os braços e pernas na esperança de tocar em algo que pudesse ser o corpo de Dafne. Nesse ínterim, embora não tenhamos nos desviado do objetivo, pudemos notar que Aníbal voltara e já estava andando, o que trouxe alegria e esperança por um instante.

11. Após reanimar Aníbal, Diego se junta a mim e ao Roger nas buscas por Dafne. Para facilitar o mergulho, ele deixa todas as roupas irem com as ondas e desce ao camarote só de sunga. Desce com uma corda presa ao braço, para poder ir mais longe. Ficamos nos revezando no mergulho, eu Roger e Diego. Cada vez que mergulhava, tinha a esperança de encontrar Dafne, e trazê-la para a superfície. Ao voltar, o alívio de encher os pulmões era misturado à frustração de mais uma busca sem sucesso. Vale notar que o senso de perigo e de autoproteção estava bastante diminuído, tendo em vista o estresse emocional da situação. Dessa forma, fomos ousados e entramos profundamente no camarote. Como era uma suíte, entrei também no banheiro. Fui até a proa, por dentro do camarote, e também até o corredor que dava passagem para a cozinha, até o limite da corda presa a meu braço, que infelizmente não permitia ir mais fundo.

12. Como mencionado anteriormente, no momento inicial fiquei alheio aos acontecimentos que ocorreram simultaneamente em outras partes do barco no momento do acidente. Estava concentrado no salvamento dos ocupantes do camarote da proa. Nesse período aconteceram todos os salvamentos dos outros voluntários que haviam ficado presos. Portanto, descreverei tais episódios segundo as informações colhidas, posteriormente, dos próprios voluntários. Nos momentos que antecederam a virada, Roger Alves encontrava-se preocupado e decidira não dormir. Estávamos nas redes, no convés superior, que era uma área sem divisões, com teto, e aberta por todos os lados. Uma cerca de madeira protegia as laterais, e toda a abertura era protegida por uma frágil tela de mosquitos. Por causa da chuva, haviam sido baixadas lonas laterais, que protegiam os ocupantes. Roger percebeu que a força do vento sobre as lonas estava fazendo o barco virar. Rapidamente, começou a levantá-las. Ao ver isso, Hildchen e Joany, que estavam acordadas, começaram a sair de seus sacos de dormir para ajudar Roger. Dona Ruth também se levantou. Foi a salvação das duas moças. Antes que terminassem de livrar-se completamente dos sacos, o barco virou. Nesse instante, Roger corre em direção à popa (parte de trás do barco) e pula, de cabeça, para fora, antes de o barco ter terminado de virar. Desesperadamente, começa a nadar em direção à praia, a cerca de 300 metros. À sua mente, vêm os pensamentos “Serei o único sobrevivente?” e “Preciso me salvar para ajudar minha família!”. Roger é natural de Manicoré, pequeno município do interior do Amazonas. Sem pai e com muitos irmãos, Roger conseguiu a façanha de ser admitido na Faculdade de Medicina da Universidade do Estado do Amazonas. Com a esperança de ele crescer na vida, e ser um apoio à família humilde, a notícia foi recebida com alegria a todos os parentes. Agora, com a morte diante de si, Roger se lembra da família. Precisa sobreviver para ajudá-los. Saiu nadando em meio à escuridão. Apenas o ar em cima e a água embaixo. Nenhuma luz. Assim como a Terra, no princípio. Após algumas braçadas, olhou para trás temendo ver o pior, e viu que o barco não tinha afundado. Pensou que alguém poderia estar vivo, em perigo, e a esperança o fez retornar ao barco. Subiu na parte traseira do bordo direito do barco e, sem ver ninguém, começou a quebrar as janelas e a gritar “Tem alguém aí?” As ondas eram fortes desse lado do barco e, somente quando recuavam se podia alcançar a parte interna mais inferior do convés inferior. Além disso, o breu da noite limitava a visão. Roger já havia quebrado a segunda ou terceira janela, quando, por uma estranha coincidência, a onda recuou e ao mesmo instante um relâmpago iluminou a noite; e à frente dos olhos de Roger apareceu uma mão, estendida, ainda sob a água, no interior do barco. Não se via o corpo, entulhado sob os objetos. Sem demora, Roger puxou a mão com toda a força e o Dr. Ricardo faria apareceu na superfície, buscando o ar desesperadamente. Logo atrás dele, surge o Dr. Renato, que estava ainda mais no interior do barco, preso sob o Dr. Ricardo. Ambos respiram e estão bem, apesar de grandemente chocados.

13. Nesse instante, Roger vê Bradley andando desnorteado pela lateral do barco. Os três (Bradley, Ricardo e Renato) estavam dormindo no mesmo camarote, e no instante do acidente, correram desesperadamente para a cozinha do barco, em busca da saída. Brad foi à frente, seguido por Ricardo e Renato. Brad se lembra de ter ficado preso por uma mesa, na cozinha, e depois só se lembra de estar andando seguro na lateral do barco. Ver relato do próprio Bradley para mais detalhes sobre esse incidente.

14. Havia mais um camarote no barco, onde quatro pessoas ficaram presas. Esse ficava no convés principal (e não no porão do barco como os outros dois). Nele, estavam Elisangela, Cione, Dona Francisca e o Paulo....

Não concluí na época, então vou completar agora.

14. Na mesma noite, Paulo saiu com uma equipe numa voadeira pra buscar as bolsas das pessoas do barco. Todas foram encontradas, inclusive meu saxofone dentro da capa, que estava boiando. Esse é o saxofone que ganhei quando tinha sete anos e que uso até hoje. Tudo foi encontrado, exceto a mochila de Diego Jhonathan. Alguns dias depois, ela foi boiando até uma casa de praia, e as pessoas de lá conseguiram fazer contato com Diego com as informações que tinha nas coisas da mochila. Marcaram com ele de entregar as coisas na casa deles em Manaus, no condomínio Parque Residências. Diego foi até lá de moto, agradeceu e buscou a mochila. Quando voltou para a moto, percebeu que tinha esquecido a chave na casa da pessoa. Voltou à casa da pessoa para buscar a chave, e a pessoa perguntou sobre o celular, que Diego tinha perdido no naufrágio. Diego falou que por enquanto estava sem celular. Então a pessoa foi e deu para ele um celular que não usava mais, mas que ainda assim era muito moderno para a época.

15. Havia mais um camarote no barco, onde quatro pessoas ficaram presas. Esse ficava no convés principal (e não no porão do barco como os outros dois). Nele, estavam Elisangela, Cione, Dona Francisca e o irmão Paulo. Paulo, Elisângela e Cione conseguiram sair assim que o barco estava virando, mas dona Francisca ficou para trás. Ela era a cozinheira da missão. Uma senhora viúva muito simpática, que havia trabalhado em lanchas muitas vezes com seu falecido marido, e tinha aceitado o convite para ir viajar dois dias antes de sairmos! Ela foi inundada pela água que entrava com violência no camarote, então levantou as mãos para o céu e pensou "Meu Anjo! Estou preparada! Pode me levar!" Nesse instante, Paulo alcança sua mão e a puxa para fora!

16. Realmente não estou me lembrando da história envolvendo uma corda azul. Lembro vagamente que levei uma corda, que deve ser essa, e que depois vi as pessoas usando para alguma coisa, mas infelizmente não lembro de mais nada.

17. Quando chegamos à praia, fui à comunidade telefonar para minha mãe e dizer que eu estava bem. Uma coisa rara no interior, essa comunidade tinha sinal de celular, e eu usei o de uma pessoa emprestado. Os ribeirinhos fizeram uma fogueira para nos aquecer, e trouxeram roupas secas para nós, e dormimos ali na praia.

18. Acordei com o barulho das hélices de um helicóptero. Alguém tinha acionado a marinha e eles estavam checando a situação.

19. Fomos evacuados em um navio da marinha. Ofereceram camarotes para ficarmos deitados, mas o susto ainda estava muito forte e preferimos ficar ao ar livre mesmo.

20. Após o acidente, minha próxima viagem missionária foi em um catamarã. É um barco com dois cascos, e o risco de tombar é praticamente zero. Mesmo assim, quando começou a chover, peguei uma capa de chuva e fiquei lá fora até a chuva passar. Depois me acostumei, mas sempre com precaução.

Gabriel

Diário de Bordo - Experiência no Exército Brasileiro - Logbook.

Vou registrar nesse post algumas experiências que passei enquanto servi no 7o Batalhão de Infantaria de Selva em 2015. Este é mais pra um logbook, pra registro, sem muitas reflexões, por isso as informações podem parecer meio "jogadas".

UIRAMUTÃ

A princípio, eu ia ficar em Uiramutã uma ou duas semanas, até o próximo médico vir me substituir. A viagem para lá foi o percurso mais acidentado que já fiz na vida, e talvez o mais bonito e perigoso. Algumas pontes de madeira davam medo. Filmei com o celular alguma coisa. Soube que outro médico que tinha servido antes teve dois dos pneus furados e teve que esperar um guincho. O tempo foi passando e a vinda do médico se atrasava. Nesse período por  vezes faltava água, às vezes energia e às vezes internet. Um dia, durante a visita do comandante da companhia (2a Companhia do 7o Batalhao de Infantaria de Selva), o Major Zanini, faltou água, internet e energia ao mesmo tempo. Fizemos missões de ajuda humanitária nas comunidades ao redor, e o caminhão, a 5 ton, tinha que passar por pontes de madeira às vezes bem precárias. Em uma dessas passagens, o chefe de viatura (oficial mais antigo da viatura) falou pra passar pelo riacho, sem confiar na ponte; e ficamos atolados, esperando outra viatura rebocar. Houve uma revista surpresa aos armários dos soldados, e eu fiz uma apreensão de drogas no armário do soldado X, que foi preso e depois transferido para Boa Vista. Em um dos sábados, fui escalado como oficial de dia, mas me recusei a portar a arma, que ficou com o Ten. Luciano, comandante do Pelotão. Havia muitos mosquitos no meu quarto. Nos momentos de isolamento, chegava a conversar com eles, quando desistia de tentar matá-los. Houve um caso de coqueluche, do sargento de saúde que trabalhava também no posto de saúde local, que atende pessoas de fora do Brasil. Como ele tinha identidade indígena, foi removido de avião pela SESAI. Os aviões pequenos eram chamados de Papatango, pela sigla PT que levam, do alfabeto fonético internacional. Dei uma instrução de drogas e outra de primeiros socorros. Na instrução sobre drogas, falei sobre o álcool ao final. Logo depois da instrução, ia acontecer um churrasco no pelotão com bebida alcóolica. Em uma das instruções de tiro que acompanhei ali, pude disparar com pistola e fuzil. Houve um tiro acidental do subcomandante, mas foi em direção ao chão e não houve feridos. Diversas vezes, o Dr. Jaime, que ia me substituir, tentava se dirigir ao pelotão, mas a vinda dele era adiada, de forma que eu já estava há mais de 30 dias lá. Uma caixa com latas de carne vegetal da Superbom que um amigo de Boa Vista (o Felippe) mandou foi o que me salvou. O feijão do rancho geralmente tinha bacon, e às vezes o arroz também. Em um dos dias, só o que tive pra comer era alface. Em outro, nem alface. Emagreci. Foi quando li a respeito das provações que duraram quarenta dias na Bíblia. É algo que se repete. Senti que comigo ia ser a mesma coisa. Quando estava com 37 dias, me disseram que no dia seguinte seria rendido, o que acabou sendo frustrado e adiado para o dia 39 da minha estada lá. Foi quando percebi que também seria frustrado naquele dia e adiado para o dia 40, para ser correspondente ao que tinha lido. E foi dito e feito. No dia 39 não veio ninguém, e sim no quadragésimo, quando saí de lá, confiante de que Deus tinha um propósito para aquele período.
Em Uiramutã também foi onde encontrei uma família de adventistas que tinham se convertido na Guyana por missionários do Gospel Ministries International, com uma história incrível, que relatei em outro post.

BONFIM

Indo de 5ton de Boa Vista a Bonfim, um dos pneus estourou e fez um barulho parecido com tiro de fuzil. Eu estava na carroceria. Ela desviou para a outra pista, da contramão, mas graças a Deus não vinha nenhum carro.
Durante uma visita a Lethem com o irmão Celso, ele cochilou ao volante e desviou o carro para a outra pista, voltando justamente a tempo de passar uma caminhonete que vinha. Estávamos o seguindo e vimos tudo de perto. Graças a Deus pelo livramento.
Em uma remoção de militar com lesão de tendão do joelho por futebol, de Bonfim a Boa Vista, uma ave (carcará ?) se chocou contra o vidro da frente da ambulância e o destruiu.
Devido à grande quantidade de lesões tendinosas no futebol, o esporte foi proibido no pelotão pelo Major Zanini.
Os dois sargentos que estavam há mais tempo em Bonfim eram o Sgt Bezerra e o Sgt Ferreira, que dirigia a ambulância. Os sargentos de saúde eram o Sgt Vanderson e a Sgt Cleo, um casal. Ele é guerreiro de selva.

SURUCUCU

Surucucu foi o pelotão de fronteira mais isolado que já fui, mas também o que tinha melhor conexão com a internet. A pista de pouso recebe o nome do Ten Nogueira, um tenente médico, que faleceu em um trágico acidente aéreo com helic[optero naquele pelotão. A história tem similaridades com essa notícia e essa também de 2011.

Update - Missão na Angola

Faz muito tempo que não postamos! Muita coisa aconteceu. A ideia de criar esse blog era pra ir relatando as experiências que teríamos em Angola nesse ano, 2018. Sim, "teríamos". Vou explicar o que aconteceu.
Estávamos muito empolgados, tínhamos tido contato com pessoas de lá da Angola, já estava certo o apoio financeiro do AHI junto à Divisão Sul-Americana, fizemos o curso "Passaporte pra Missão" e terminamos tudo pelo Serviço Voluntário Adventista. Só faltava o visto para comprar as passagens e estaríamos partindo. Chegamos a relatar aqui no blog nossa primeira ida ao consulado Angolano. O tipo de visto que precisávamos não é o mais simples, mas um especial para pessoas que vão pra trabalhar em causa humanitária/religiosa por período de 1 ano, como era o nosso caso. Pra isso, precisávamos de uma carta da Igreja na Angola, que nos receberia. Essa carta precisava, antes de tudo, passar pelo ministério de relações exteriores da Angola pra podermos usar aqui. A obtenção dessa carta foi um dos passos mais demorados.
Como havia disponível para o Hospital do Bongo um aparelho de Ultrassonografia que não estava sendo usado, decidimos que eu devia fazer um curso básico de Ultrassonografia, de 30 dias, em Ribeirão Preto-SP. Então, em maio deste ano, fomos pra lá, enquanto aguardávamos a tal carta. Ela chegou, enfim, e fomos ao consulado em São Paulo, mas continha erros. Solicitamos a correção, voltamos ao consulado. Diga-se de passagem que a qualidade de atendimento que tivemos no consulado de Angola em SP foi das piores possíveis. À parte disso, não podíamos argumentar muito com o que tínhamos em mãos, porque o documento vindo da Angola estava realmente com detalhes mal escritos. Toda essa ida e vinda ao consulado nos custava hotel em São Paulo, combustível, e todos os custos do curso de USG, que não foi barato. Tinha saído da residência médica com a ideia de já começar a trabalhar na missão em seguida, portanto não tinha emprego, e nossa reserva foi se esgotando. Oramos muito a Deus a fim de saber se devíamos continuar tentando. O AHI até votou nos prestar auxílio financeiro enquanto esperávamos, mas não aceitamos receber dinheiro sem estar trabalhando. Voltamos tristes de SP para Campos-RJ, e comecei a dar plantões como clínico para nos sustentar. Aos poucos, fomos nos reerguendo financeiramente, alugamos um apto na cidade (até então estávamos na casa dos pais de Yarin) e fomos mobiliando. Após orar, sentimos que devíamos focar em subspecialização, e estou me preparando pra fazer provas de especialização em Cirurgia do Aparelho Digestivo. As provas serão em Novembro. Ore pra que seja feita a vontade de Deus. Deus é tão incrível que me deu de presente uma viagem de 2 semanas ao Níger, na África, no meio disso tudo (merecia um post só dessa missão). Fui em julho deste ano. Uma experiência incrível. Estamos no momento, crescendo como casal, como indivíduos e como profissionais. Yarin está trabalhando com costura, que ela ama, e eu estou aprendendo muito trabalhando com urgência e emergência clínica. Colocamos nossa vida nas mãos de Deus e Ele vai à frente. Por enquanto, estamos sendo missionários locais, servindo a comunidade ao nosso redor, aqui na cidade, no Brasil, e a nossa igreja local. O plano é voltar a pensar em missões transculturais assim que terminar a nova residência médica, mas quem pode dizer o que Deus tem preparado?
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Obs.: Aconteceu uma história interessante quando estávamos em Ribeirão Preto. Não havia hoteis disponíveis na primeira semana, porque estava ocorrendo um grande evento na cidade. O único lugar que encontramos vaga foi a Pousada do Sr. Ademir. Não era o que queríamos, mas foi onde pudemos reservar. Lá, Yarin ouviu a esposa do dono conversando sobre profecia e decidiu ajudar. Foi aí que estudamos a Bíblia com ela alguns dias. Ela ficou encantada com o que estava revelado nas profecias de Daniel e Apocalipse, o que para ela era muito confuso. Quando fomos embora, ela quis uma Bíblia Andrews, igual à nossa, e acabou comprando. O mesmo irmão colportor que vendeu a Bíblia, se comprometeu a voltar e fazer uma visita missionária para ela. Ficamos muito felizes com isso, e pensamos que se tudo o que aconteceu com a gente foi pra levar luz a essa única alma, então sentimos como se tudo tivesse valido à pena.