sábado, 6 de janeiro de 2018

Missão no Rio Copeá

Em julho de 2011 participei de um evangelismo na comunidade de São Francisco do Camarão, no rio Copeá, perto de Coari. Esse rio corre paralelo ao Solimões, então serve de rota de tráfico de drogas, longe do rio principal. Os ribeirinhos compareciam as reuniões, e gostavam muito de ouvir o Pr. Luís Goncalves. Após vários irmãos aceitarem a mensagem, preparamos uma praia para receber o batismo. Era na outra margem do rio, uma praia de areias claras, mas cheio de plantas aquáticas tipo aguapé (esqueci o nome que os ribeirinhos usam pra essa planta).
Aguapé
Então limpamos as plantas e fizemos uma ornamentação em formato de cruz sobre a água, olhando de cima, com flores locais. Num momento enquanto estávamos dentro da água, um dos irmãos foi ferroado por uma arraia. Elas ficam camufladas sobre a areia embaixo d'água, e têm uma ferroada muito dolorosa.
Arraia de água doce camuflada

Mesmo assim, os irmãos e o pastor entraram nas águas para o batismo, e a cerimônia ocorreu sem outros incidentes.
Nessa viagem, tinha levado muitas escovas de dente e flúor para fazer trabalho de prevenção e saúde bucal com as crianças. Eram escovas cedidas pelo Hospital Adventista de Manaus. Era uma excelente maneira de abrir as portas das comunidades e dos lares, porque geralmente ninguém recusava receber uma escova de dente de graça, e então se estabelecia uma ponte de comunicação. Já tinha feito a palestra e distribuído escovas para todas as crianças daquela comunidade.
Palestra e Aplicação de Flúor na Comunidade S. Francisco do Camarão

Crianças da Comunidade e Voluntários da UAP
Então resolvi fazer o mesmo trabalho abrindo portas nas comunidades rio acima, onde não havia presença adventista. Um dos irmãos me passou os nomes das pessoas a quem eu devia procurar quando chegasse lá. Não passava barco todo dia, então eu teria que passar pelo menos dois dias, e essas pessoas iam me receber. Tomei o barco e não perdi tempo. Era um barco com dois conveses (dois "andares"), e fui de rede em rede oferecendo palestras de saúde bucal e aplicação de flúor gratuitas. Todas as pessoas do barco receberam, inclusive o comandante e a tripulação. No final, quando fui descer, nem me cobraram a passagem. Oh Bénção! Desci e logo perguntei pelo agente de saúde. Ele tinha viajado. Perguntei então pelo líder da comunidade. Tinha ido à cidade resolver negócios. Meus dois contatos estavam ausentes. A noite estava chegando. Ao longe via a chuva se aproximando.
Tempestade se aproximando pela direita (em outra ocasião)

Lembrei do verso em que Paulo cita o Antigo Testamento para mostrar que quem trabalha é digno do seu sustento. Deus ia prover comida e lugar para ficar, se eu trabalhasse para Ele. "Porque diz a Escritura: Não ligarás a boca ao boi que debulha. E: Digno é o obreiro do seu salário." 1 Timóteo 5:18. Então decidi fazer o que sabia fazer de melhor por aquela comunidade e reuni todas as crianças que estavam brincando para conversar sobre a saúde dos dentes. No final, se todo mundo estivesse atento, ia ganhar uma escova de brinde.
Crianças de Sta Maria do Poção

Após aplicação de flúor
Estava terminando quando chegaram duas crianças de uns quatro anos de idade. Eram os filhos do líder da comunidade, que tinha acabado de chegar. Depois, fui com eles para falar com seu pai. Pedi a ele autorização para amarrar minha rede embaixo de um galpão para me proteger da chuva e passar a noite ali. Ele disse que eu ia dormir na casa dele. Enquanto me preparava para dormir, ouvi as crianças gritando: "Eba! Pato!", então tive uma dica do que seria a janta naquela noite. Sabendo que o homem era evangélico, da igreja Batista, me preparei para explicar pela Bíblia por quê não ia poder comer pato. Abrindo em Levíticos, vi que para as aves, não existe uma regra geral como para os insetos e mamíferos. Alguns falam que a presença de membrana entre os dedos é uma regra, mas isso não está na Bíblia. Ela apenas dá uma lista de vinte aves as quais não podemos comer. E o pato não se encontra lá. O mais parecido é o cisne e o pelicano. Então, quando o irmão me perguntou se eu comia pato, respondi "Nunca comi não irmão, mas hoje vou comer aqui na casa do senhor." Me esforcei e comi aquele pedaço de carne, orando para não vomitar. Sou ovolactovegetariano, mas pato era o que tinha para comer, e pato eu comi. No dia seguinte, ganhei uma carona até a comunidade seguinte, Vila Fernandes. Lá fiquei na casa do Pr. Sodré e da Pra. Lindalva, da igreja Assembleia de Deus, se não me engano. Me ofereceram para comer "mexira", que eu descobri que é a carne seca do peixe-boi. Claro que recusei! Além de ser carne impura, o pobre animal está ameaçado de extinção! Comprei arroz no mercadinho local e comi com ovos. Ali naquela comunidade há um irmão adventista, o Sr. Doni. À noite, ele e outras pessoas foram até a comunidade e conversamos. A conversa girou em torno de assuntos do interior, especialmente cobras, da lendária Cobra-Grande à misteriosa salamanta (que, apesar das histórias de ser extremamente violenta, sagaz, vingativa, uma pesquisa Google hoje me mostrou que é uma espécie de jiboia, que normalmente é mansa e não peçonhenta). Uma das histórias da Cobra-Grande diz que numa noite, um pescador certa vez viu uma luz vermelha vindo da curva de um rio, e depois surgiu outra luz vermelha, com uma distância boa entre elas, de forma que o pescador deduziu que se tratava de uma balsa (que são embarcações compridas que têm uma luz no começo e outra no final). Quando chegou mais perto, descobriu serem os dois olhos da Cobra-Grande. Essa história serve para mostrar o tamanho imenso que se acredita que esse animal tenha. Outra lenda indígena sobre o surgimento do rio Amazonas diz que certo vez há muito tempo, a lua estava no céu durante o dia, e ficou encantada e apaixonou-se pelo sol; entretanto o sol não deu bola para ela, de forma que ela chorou, chorou até que se formou o rio Amazonas. Na comunidade de Vila Fernandes, vi vários bois andando pela comunidade livremente como se estivessem na Índia. Perguntei de quem eram aqueles bois, e dona Lindalva me disse que eram da comunidade; antes havia um índio que morava ali e sabia domá-los para tirar leite, mas agora não havia ninguém que soubesse manejá-los e eles viviam soltos. No próximo dia, passei na comunidade de São Sebastião da Liberdade (ou Cupu), uma comunidade indígena. Fiz algumas aplicações de flúor mas não houve muito espaço porque aquela comunidade já era bem assistida na parte odontológica pelos órgãos do governo de apoio aos indígenas. Depois tomei outro barco e voltei a me juntar a equipe da Luzeiro na comunidade São Francisco do Camarão.

Gabriel

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