sábado, 6 de janeiro de 2018

Combinação Perfeita

" Pedi, e dar-se-vos-á; buscai, e encontrareis; batei, e abrir-se-vos-á. "
Mateus 7:7
Em janeiro de 2012, me voluntariei para participar de uma viagem missionária às comunidades próximas a Barreirinha-AM, durante as férias da faculdade. Na base do Projeto, em Manaus, e ficamos alguns dias aguardando os reparos finais no Catamarã, barco com nome de Salva Vidas II que havia sido doado de um senhor da Flórida para a missão no Amazonas.  É um barco muito bom porque tem dois cascos (vide foto), e isso dá uma boa estabilidade. Em cada casco há um motor, e no meio há um vão. Ao final de alguns dias, o barco estava pronto para zarpar. A equipe consistia no comandante Joca, o coordenador da base de Barreirinha enfermeiro Daniel Lessa, sua esposa enfermeira Náissen Lessa, e um casal de obreiros que iria ficar em uma das comunidades, além de mim. Eu estava no quarto ano de Medicina e podia ajudar com os atendimentos. Além disso, tinha tirado uma licensa para pilotar barcos, e poderia auxiliar no leme. 


Catamarã sendo preparado para sair na missão

Daniel Lessa, coordenador da base de Barreirinha

Naissen Lessa, esposa do Daniel e enfermeira

Joca, no comando do barco, e o obreiro

A mascote do Catamarã

Outra foto da mascote do Catamarã

O plano era descer pelo Rio Amazonas até a entrada do paraná do Ramos (paraná é um atalho de água, ligando dois rios, ou dois pontos do mesmo rio), e depois seguir por esse paraná até Barreirinha. Quando estávamos talvez na metade do trajeto pelo rio Amazonas, o Joca permitiu que eu assumisse o leme por algum tempo, pra ele poder descansar. Eu estava feliz pela oportunidade de ajudar. Depois de algum tempo, percebi que o barco estava muito devagar, apesar da força normal do motor. Pedi ajuda do Daniel. Então vimos que apesar dos dois motores estaresm ligados, apenas um lado causava espuma na água. Paramos o barco em uma margem e Joca mergulhou pra ver o que havia de errado.

Joca se preparando para mergulhar e ver o que há de errado com a hélice (palheta)
Na água
Na água 2
Notamos que aquele lado estava sem hélice (chamada de "palheta)". Por algum motivo, ela havia se soltado e se perdido nas profundezas do Amazonas (que pode chegar a 100 metros de profundidade). Havia outra palheta sobressalente no barco, mas ela não se prendia ao eixo do motor porque faltava uma peça, uma "chaveta", que se encaixa ao mesmo tempo na hélice e no eixo, dando firmeza. Na foto abaixo se vê um exemplo do local onde se encaixa a chaveta.

Exemplo de hélice de barco com uma fenda para a chaveta

Sem a chaveta a hélice não se firmava, e quando o motor era ligado, soltava-se e se perdia no rio. Tentamos improvisar utilizando pedaços de metal no lugar da peça, mas não dava certo. Como é um barco estrangeiro, os ribeirinhos também não possuíam esse tipo de peça. Tristemente, tivemos que parar. Passaríamos a noite numa margem, e pela manhã voltaríamos a Manaus pra procurar a peça. O irmão obreiro teve que descer pra ajudar a manobrar o barco, que estava com apenas um motor funcionando.

O irmão teve que descer para ajudar a manobrar o barco
Depois de tanto tempo, teríamos que voltar por causa da falta de uma peça de metal de 4 centímetros, quadrada (na verdade um prisma quadrangular), do tamanho de um parafuso! Além disso, nem sabíamos se a acharíamos em Manaus, visto que era um barco americano, de peças diferentes do comum. Oramos a Deus. Eu particularmente orei bastante aquela noite. "Senhor, o senhor nos trouxe até aqui para voltarmos?!" "Será que em todo esse barco não há nenhuma peça que sirva?!" "Se existe essa peça, por favor me mostre", era a minha oração. 

No dia seguinte, revirando todas as ferramentas e materiais do barco, em oração, encontrei uma maçaneta de porta sobressalente, mais ou menos como a dessa foto.

Maçaneta
A peça de encaixe da maçaneta na porta era de metal, quadrangular, exatamente do tamanho que faltava na hélice. Ela se soltava da maçaneta, de forma que não foi preciso serrar. Colocamos na hélice e encaixou perfeitamente, como uma luva! Ligamos o motor, e a peça passou no teste! Glória a Deus! "Pedi, e dar-se-vos-á; buscai, e encontrareis". Não sei os motivos dEle, mas sei que às vezes Ele permite que certas circunstâncias aconteçam para que O busquemos e encontremos firmeza nas Suas promessas, fortalecendo nossa fé. Esse episódio ficou bem marcado, e certamente fortaleceu a fé de todos que estavam iniciando aquela viagem a serviço de Deus. A viagem prosseguiu e cumpriu o objetivo nas comunidades próximo a Barreirinha, no rio Massauari.

Culto de pôr-do-sol após tudo resolvido, seguindo viagem

Equipe do Salva-Vidas II

Daniel fazendo retirada de corpo estranho em coxa (pedaço de madeira)

Aplicações de flúor

Presentes dos pacientes
Mais flúor

Saindo de voadeira. Boné improvisado com papelão.

Chuva

Soninho após o almoço

Zzz...
Oi? Comida?




Gabriel

Missão no Rio Copeá

Em julho de 2011 participei de um evangelismo na comunidade de São Francisco do Camarão, no rio Copeá, perto de Coari. Esse rio corre paralelo ao Solimões, então serve de rota de tráfico de drogas, longe do rio principal. Os ribeirinhos compareciam as reuniões, e gostavam muito de ouvir o Pr. Luís Goncalves. Após vários irmãos aceitarem a mensagem, preparamos uma praia para receber o batismo. Era na outra margem do rio, uma praia de areias claras, mas cheio de plantas aquáticas tipo aguapé (esqueci o nome que os ribeirinhos usam pra essa planta).
Aguapé
Então limpamos as plantas e fizemos uma ornamentação em formato de cruz sobre a água, olhando de cima, com flores locais. Num momento enquanto estávamos dentro da água, um dos irmãos foi ferroado por uma arraia. Elas ficam camufladas sobre a areia embaixo d'água, e têm uma ferroada muito dolorosa.
Arraia de água doce camuflada

Mesmo assim, os irmãos e o pastor entraram nas águas para o batismo, e a cerimônia ocorreu sem outros incidentes.
Nessa viagem, tinha levado muitas escovas de dente e flúor para fazer trabalho de prevenção e saúde bucal com as crianças. Eram escovas cedidas pelo Hospital Adventista de Manaus. Era uma excelente maneira de abrir as portas das comunidades e dos lares, porque geralmente ninguém recusava receber uma escova de dente de graça, e então se estabelecia uma ponte de comunicação. Já tinha feito a palestra e distribuído escovas para todas as crianças daquela comunidade.
Palestra e Aplicação de Flúor na Comunidade S. Francisco do Camarão

Crianças da Comunidade e Voluntários da UAP
Então resolvi fazer o mesmo trabalho abrindo portas nas comunidades rio acima, onde não havia presença adventista. Um dos irmãos me passou os nomes das pessoas a quem eu devia procurar quando chegasse lá. Não passava barco todo dia, então eu teria que passar pelo menos dois dias, e essas pessoas iam me receber. Tomei o barco e não perdi tempo. Era um barco com dois conveses (dois "andares"), e fui de rede em rede oferecendo palestras de saúde bucal e aplicação de flúor gratuitas. Todas as pessoas do barco receberam, inclusive o comandante e a tripulação. No final, quando fui descer, nem me cobraram a passagem. Oh Bénção! Desci e logo perguntei pelo agente de saúde. Ele tinha viajado. Perguntei então pelo líder da comunidade. Tinha ido à cidade resolver negócios. Meus dois contatos estavam ausentes. A noite estava chegando. Ao longe via a chuva se aproximando.
Tempestade se aproximando pela direita (em outra ocasião)

Lembrei do verso em que Paulo cita o Antigo Testamento para mostrar que quem trabalha é digno do seu sustento. Deus ia prover comida e lugar para ficar, se eu trabalhasse para Ele. "Porque diz a Escritura: Não ligarás a boca ao boi que debulha. E: Digno é o obreiro do seu salário." 1 Timóteo 5:18. Então decidi fazer o que sabia fazer de melhor por aquela comunidade e reuni todas as crianças que estavam brincando para conversar sobre a saúde dos dentes. No final, se todo mundo estivesse atento, ia ganhar uma escova de brinde.
Crianças de Sta Maria do Poção

Após aplicação de flúor
Estava terminando quando chegaram duas crianças de uns quatro anos de idade. Eram os filhos do líder da comunidade, que tinha acabado de chegar. Depois, fui com eles para falar com seu pai. Pedi a ele autorização para amarrar minha rede embaixo de um galpão para me proteger da chuva e passar a noite ali. Ele disse que eu ia dormir na casa dele. Enquanto me preparava para dormir, ouvi as crianças gritando: "Eba! Pato!", então tive uma dica do que seria a janta naquela noite. Sabendo que o homem era evangélico, da igreja Batista, me preparei para explicar pela Bíblia por quê não ia poder comer pato. Abrindo em Levíticos, vi que para as aves, não existe uma regra geral como para os insetos e mamíferos. Alguns falam que a presença de membrana entre os dedos é uma regra, mas isso não está na Bíblia. Ela apenas dá uma lista de vinte aves as quais não podemos comer. E o pato não se encontra lá. O mais parecido é o cisne e o pelicano. Então, quando o irmão me perguntou se eu comia pato, respondi "Nunca comi não irmão, mas hoje vou comer aqui na casa do senhor." Me esforcei e comi aquele pedaço de carne, orando para não vomitar. Sou ovolactovegetariano, mas pato era o que tinha para comer, e pato eu comi. No dia seguinte, ganhei uma carona até a comunidade seguinte, Vila Fernandes. Lá fiquei na casa do Pr. Sodré e da Pra. Lindalva, da igreja Assembleia de Deus, se não me engano. Me ofereceram para comer "mexira", que eu descobri que é a carne seca do peixe-boi. Claro que recusei! Além de ser carne impura, o pobre animal está ameaçado de extinção! Comprei arroz no mercadinho local e comi com ovos. Ali naquela comunidade há um irmão adventista, o Sr. Doni. À noite, ele e outras pessoas foram até a comunidade e conversamos. A conversa girou em torno de assuntos do interior, especialmente cobras, da lendária Cobra-Grande à misteriosa salamanta (que, apesar das histórias de ser extremamente violenta, sagaz, vingativa, uma pesquisa Google hoje me mostrou que é uma espécie de jiboia, que normalmente é mansa e não peçonhenta). Uma das histórias da Cobra-Grande diz que numa noite, um pescador certa vez viu uma luz vermelha vindo da curva de um rio, e depois surgiu outra luz vermelha, com uma distância boa entre elas, de forma que o pescador deduziu que se tratava de uma balsa (que são embarcações compridas que têm uma luz no começo e outra no final). Quando chegou mais perto, descobriu serem os dois olhos da Cobra-Grande. Essa história serve para mostrar o tamanho imenso que se acredita que esse animal tenha. Outra lenda indígena sobre o surgimento do rio Amazonas diz que certo vez há muito tempo, a lua estava no céu durante o dia, e ficou encantada e apaixonou-se pelo sol; entretanto o sol não deu bola para ela, de forma que ela chorou, chorou até que se formou o rio Amazonas. Na comunidade de Vila Fernandes, vi vários bois andando pela comunidade livremente como se estivessem na Índia. Perguntei de quem eram aqueles bois, e dona Lindalva me disse que eram da comunidade; antes havia um índio que morava ali e sabia domá-los para tirar leite, mas agora não havia ninguém que soubesse manejá-los e eles viviam soltos. No próximo dia, passei na comunidade de São Sebastião da Liberdade (ou Cupu), uma comunidade indígena. Fiz algumas aplicações de flúor mas não houve muito espaço porque aquela comunidade já era bem assistida na parte odontológica pelos órgãos do governo de apoio aos indígenas. Depois tomei outro barco e voltei a me juntar a equipe da Luzeiro na comunidade São Francisco do Camarão.

Gabriel

sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

The Man Who Used to Fall

Em 2012, o Amazonas sofreu a maior enchente já registrada, e a ADRA atuou ajudando as populações ribeirinhas afetadas. Naquele ano, escrevi esse relato da experiência de ajudar um senhor em uma das comunidades; era para algum documento de pedido de ajuda da ADRA Internacional, mas creio que nunca foi publicado, então estou postando aqui.